Precisamos de múltiplas tecnologias para poder acabar com a brecha digital

Entrevista com Mario de la Cruz Sarabia, diretor sênior de Relações Governamentais para América Latina da Cisco

Acabar com a brecha digital é um objetivo almejado pelos diversos atores que compõem a indústria de tecnologia da informação e comunicação (TIC) na América Latina. Através do aproveitamento de diferentes tecnologias, busca-se gerar maneiras para otimizar as condições de vida dos habitantes.

Mario de la Cruz Sarabia, diretor sênior de Relações Governamentais para América Latina da Cisco

Sobre esses temas, o Brecha Zero conversou com Mario de la Cruz Sarabia, diretor sênior de Assuntos Governamentais para América Latina da Cisco. Ele possui mais de 20 anos de experiência no setor privado e na administração pública, contribuindo para o desenvolvimento econômico e de TIC do México e da América Latina. Formado em Economia pelo Instituto Tecnológico Autônomo do México (ITAM), possui também um MBA pela Marshall Business School da Universidade do Sul da Califórnia (USC), estudos em telecomunicações no ITAM, desenvolvimento de negócios no IPADE e indústria de energia na Universidade do Texas em Austin.

Brecha Zero – Como você acredita que as TICs permitirão melhorar as condições econômicas da América Latina nos próximos anos? De que forma você acredita que isso pode ser feito?

Mario de la Cruz Sarabia – Sem dúvida, um dos desafios mais significativos da América Latina é acabar com a brecha digital. Partindo desse ponto, as principais tecnologias são aquelas que conectam a população que ainda não está conectada, e isso envolve serviços móveis, IMT, serviços de WiFi, tecnologia via satélite e fibra. Dessa forma, acredito que as tecnologias mais importantes são todas as que ajudam a eliminar a brecha de conectividade de acesso à Internet, porque sem isso não há mais nada a ser feito. Então, precisamos fechar essa brecha e enxergar isso como uma política de inclusão social para todos os latino-americanos.

É essencial que isso seja visto de forma holística, não há uma única tecnologia que por si só vá acabar com a brecha digital, é necessário que haja uma combinação de diferentes tecnologias, dependendo dos casos de uso, das populações, das localizações geográficas, dos níveis socioeconômicos, etc. Obviamente, nas grandes cidades, os serviços móveis, acompanhados de WiFi e fibra, são cruciais para estabelecer conexão, mas em áreas rurais e não conectadas, precisamos pensar em outras alternativas. Sem dúvida, existem comunidades de difícil acesso, onde os serviços via satélite combinados com WiFi serão muito importantes, enquanto em outros locais, os serviços de fibra podem ser uma alternativa. Portanto, o tipo de tecnologia a ser utilizada dependerá da localização geográfica e do setor socioeconômico.

Brecha Zero – Dos diferentes setores da economia, como bancário, agricultura, turismo ou indústria manufatureira, em quais você acredita que essas tecnologias terão mais impacto?

Mario de la Cruz Sarabia – Nenhum setor da economia pode ser pensado sem o impacto da tecnologia para potencializar seu alcance. A verdade é que eu diria em todos. Me diga um setor que não utilize tecnologia hoje? É muito difícil pensar nisso. Até mesmo no setor governamental, seria impensável imaginar a prestação de serviços públicos hoje em dia, seja na área da saúde, educação ou segurança pública, sem pensar no uso de recursos tecnológicos. Por isso, a tecnologia se tornou um tema totalmente transversal em todos os setores da sociedade e da economia.

Atualmente, é possível que o setor bancário seja a resposta mais óbvia, devido à digitalização dos serviços bancários. Também podemos pensar no setor energético, que está fazendo um uso intensivo da tecnologia. Mas se olharmos para cada setor, também podemos encontrar exemplos. Acredito que o conceito de Indústria 4.0, o processo de automação por meio da Internet das Coisas, está afetando diferentes indústrias, principalmente na área de manufatura, em todos os setores de produção.

Brecha Zero – Quão grande é a influência que os esforços das autoridades dos diferentes países da região para fechar a brecha digital têm no sucesso dessas tecnologias?

Mario de la Cruz Sarabia – É fundamental, porque no final das contas o governo desempenha um papel essencial na liderança. Não apenas em promover a transformação digital do próprio governo e dos setores do país, mas também em fornecer as ferramentas para a indústria. E existem vários exemplos, eu diria que no caso da 5G, já existem leilões na América Latina. Sem dúvida, o do Brasil é o mais relevante e bem-sucedido, pois conseguiram reduzir os custos do espectro ampliando as obrigações de cobertura e, ao mesmo tempo, abrindo completamente a faixa de 6 GHz para serviços de WiFi. E também vemos, por outro lado, a implantação de fibra, por exemplo, na Amazônia, que está utilizando o rio para alcançar áreas remotas. O caso do Brasil me parece um dos mais completos para que governos da região possam seguir o exemplo. O caso da faixa de 6 GHz é fundamental.

Em relação à 5G, também temos o Chile, que é um bom exemplo. A Colômbia terá seu próprio leilão de espectro até o final deste ano. Além disso, outros países estão anunciando o uso da faixa de 6 GHz para WiFi. Enfim, precisamos de múltiplas tecnologias para fechar essa brecha digital.

Brecha Zero – Qual é a importância das tecnologias de banda larga móvel no desenvolvimento econômico da América Latina?

Mario de la Cruz Sarabia  – Acredito que muito se tem falado sobre esse tema, mas a verdade é que ainda não tivemos casos concretos de uso. Isso ocorre porque os casos de utilização precisam estar acompanhados do modelo de negócio ideal para cada um deles. Dessa forma, o modelo da 5G será interessante para utilização no setor empresarial, mas os modelos de negócio ainda estão em desenvolvimento.

Para desenvolver esses recursos haverá grandes desafios. No caso do Brasil, eles entenderam que o espectro radioelétrico licenciado para serviços móveis não deve ser visto como um mecanismo de arrecadação. Há um consenso enorme na América Latina de que os altos custos do espectro radioelétrico são um grande obstáculo para fechar a brecha digital, especialmente quando se trata de tecnologia móvel.

Eu diria que existem dois grandes desafios na América Latina quando se trata da 5G: primeiro, reduzir os custos do espectro, fazendo com que os governos deixem de vê-lo como um mecanismo de arrecadação pública e passem a vê-lo como uma ferramenta para gerar conectividade e inclusão social. Aqui estamos falando dos governos nacionais, que são os responsáveis por definir os preços, especialmente no setor financeiro. Mas, também precisamos reduzir os custos de implantação, tanto no nível estadual quanto municipal. Devemos levar em consideração que, ao implantar milhares de quilômetros de fibra, passamos por várias cidades, cada uma com diferentes regulamentações e tipos de autorizações, o que encarece muito o custo de implantação. Esses são os dois desafios que precisamos enfrentar.

Sobre esse último ponto, é necessário homologar as autorizações de implantação na infraestrutura de telecomunicações, assumindo que temos uma enorme independência nas cidades, porém os governos nacionais devem trabalhar com os estados, províncias e municípios para padronizar esses mecanismos de implantação em todas as localidades de cada país. Isso também é essencial, pois gera transparência.